Pais Pródigos - Heróis anônimos de um rallye
Leonardo Sodré - Jornalista
MTB 00985 DRT/RN
A montagem de uma prova automobilística exige preocupação
com muitos detalhes e quando se trata de uma rallye, onde mais de oitenta por
cento do percurso se desenvolve em trilhas ou estradas vicinais, a preocupação
e os detalhes são multiplicados muitas vezes. Tudo começa com a escolha e
medição de todos os trechos onde os pilotos irão disputar as etapas de
deslocamento e especiais de velocidade.
Esse ano a preparação do Rallye RN
1500, promovido pelo
abnegado Kleber Tinôco passou por momentos de grande tensão devido às
intensas chuvas que caiam no interior do Estado. Faltando apenas dois dias para
a largada da prova ele foi obrigado a mandar uma equipe percorrer todos os mil e
quinhentos quilômetros de extensão da prova para checar se as estradas
escolhidas ofereciam riscos para os competidores e equipes de trabalho. Estava
tudo bem.
Tudo pronto, livros de bordo checados, passa-se para a última
reunião onde são definidos e exaustivamente explicado as funções de cada um
dos membros das equipes de trabalho. Cerca de 70 pessoas, incluindo equipes de
cinegrafistas e jornalistas de revistas especializadas de todo o país. Mas, os
cuidados com a segurança dos pilotos não ficam somente na última checagem do
trecho. Dois experientes pilotos de motocicleta: "Bacana" e
"Camburão" seguem na frente na função de "coelhos".
Partem cerca de três horas antes da largada da primeira motocicleta para chegar
todos os trechos do dia. Isso significa que saem por volta das cinco e trinta
horas da manhã, andando rápido, pois se alguma coisa estiver fora do contexto
são obrigados a tomar medidas que promovam a segurança dos pilotos.
Existem duas equipes fixas que cuidam do fechamento dos
trechos especiais de velocidade e dois carros de resgate para recolher ou
rebocar motocicletas ou carros quebrados ao longo da competição. Além disso,
cada uma das equipes que cuidam dos trechos de velocidade contam com dois jipes
de resgate médico, coordenado pelo Dr. Haroldo Ferreira, um entusiasta de
provas off- road. Todos munidos de rádios de comunicação.
Esse ano a categoria "regularidade" foi incorporada
à prova e foi dada a mim a função de conduzir e colocar pessoas nos pontos
escolhidos para cronometragem dos tempos ideais. Acompanhado de um professor de
inglês, o português Rui Veiga, que dirigia o nosso jipe, fui apresentado a
minha equipe às seis horas da manhã da sexta-feira: cinco motociclistas,
pessoas das mais variadas profissões. Fomos apresentados e trocamos os números
de celulares para alguma urgência pois somente o jipe conduzia um rádio de
comunicação.
Ali estava um grupo com interesses pessoais bem distintos:
Raymundo Cabral, funcionário público estadual, José Francisco, técnico em
telecomunicações, Marlus Costa, gerente comercial, Thiago Costa, gerente de
revenda e Jessé Júnior, supervisor de marketing. Notei, feliz, em todos, uma
incrível disposição para realizar um bom trabalho em prol do rallye. Nos
reunimos junto ao capô do jipe, abrimos o mapa e traçamos nossos planos.
Anunciei:
- Somente teremos que colocar postos de cronometragem depois da cidade de Passa
e Fica. Vamos resolver todas as nossas estratégias em conjunto pois vocês
estão conduzindo motocicleta e vamos rodar nesses próximos três dias quase os
mil e quinhentos quilômetros da prova....
Ao longo dos três dias de competição eu e Rui Veiga, que
pela primeira vez estava tendo uma experiência no sertão do Rio Grande do
Norte, fomos ficando impressionados com essa equipe de motociclistas. Eram
incansáveis e não se incomodavam em checar efemérides de trechos onde havia
dúvida quanto à direção a ser seguida. Dentro do jipe levávamos suas
sacolas, ferramentas, refrigerantes, sanduíches e água. Às vezes, nas
meteóricas paradas, comíamos rápidos e dávamos boas risadas de fatos
ocorridos, como o que Marlus Costa contou sobre um motociclista que passou num
dos seus postos de cronometragem, numa curva de cento e oitenta graus, que quase
perdendo o controle da moto, num lugar isolado, sem vê-lo, gritava:
- O que é isso neguinha? Tenha calma! Não me derrube
agora... Valha-me Deus!
Eu ia deixando um a um nos postos de cronometragem e eles
depois iam se recolhendo. Ninguém ficava para trás e no final do dia nos
reuníamos para traçar as estratégias do dia seguinte.
Como piloto de carro, participo de rallyes de longa duração
desde 1988 e sei que ao longo das provas as energias vão sendo minadas, as
irritações vão aflorando, o cansaço vai dominando e é preciso ter muita
concentração, disciplina e espírito de grupo para superar tudo isso,
principalmente para quem está conduzindo motocicleta. E, preciso saber que quem
trabalha na retaguarda de um rallye anda rápido e corre risco para não perder
tempo e chegar na hora aprazada nos locais determinados para fiscalização.
Esse grupo me surpreendeu pela alegria e pela
responsabilidade, pois na maioria das vezes, como no último dia, depois de
poucas horas de sono, foi determinado que deveríamos estar prontos para largar
as cinco e trinta da manhã. Todos estavam felizes, junto do jipe, momentos
antes. Eles, como todos os membros de todas as equipes, que lutam pela
integridade física de todos os pilotos e navegadores, não ganham troféus,
tampouco aparecem na mídia, são verdadeiros heróis. Heróis anônimos do
rallye. |